De brand lovers a parceiros fixos
Microinfluenciadores se estruturam em plataformas de segmentação e nanoinfluenciadores despontam no marketing de influência como alternativas aos influenciadores famosos e caros
Microinfluenciadores se estruturam em plataformas de segmentação e nanoinfluenciadores despontam no marketing de influência como alternativas aos influenciadores famosos e caros
Thaís Monteiro
Que a pandemia trouxe transformações para diversos segmentos não é, necessariamente, novidade. Porém, já está claro que afetou, de forma ainda mais considerável, o marketing de influência. Ao mesmo tempo em que a procura por esse canal de comunicação aumentou, devido à maior presença e atenção no digital, durante o isolamento, grandes influenciadores também foram questionados sobre suas atitudes e condutas irresponsáveis diante das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e falta de conteúdo devido aos poucos eventos para converter em publicidade. Ambos os fatores — o maior uso do digital e a reavaliação de criadores de conteúdo — fizeram com que aqueles de menor base de usuários ganhassem mais atenção. São os nanoinfluenciadores (até 10 mil seguidores) e microinfluenciadores (até 100 mil).
“Essa tendência foi bastante estimulada pela pandemia e pelo isolamento social, já que o uso do celular e das redes sociais aumentou consideravelmente nesse período. Em uma pesquisa que realizamos com mais de 3,5 mil consumidores em maio deste ano, notamos que 90% das pessoas passaram a usar mais o celular durante a quarentena”, afirma o CRO da Squid, Rick Nelson. No final de março, logo após o decreto de pandemia pela OMS, a Squid registrou aumento de 24% na taxa de engajamento dos criadores de conteúdo e 27% no alcance do Stories, do Instagram. Também nesse período, a SamyRoad verificou aumento de 60% na procura dos anunciantes por ações com influenciadores. Em um balanço do ano, o YouTube divulgou que, durante a pandemia, 91% dos entrevistados confirmaram ter aumentado seu tempo de navegação e 54% afirmaram que vão passar a usar ainda mais a plataforma. Os canais também cresceram em inscrições — 1,8 mil perfis já contam com mais de um milhão de seguidores.
A alta demanda social propiciou o surgimento do negócio baseado na conexão entre agências ou anunciantes com os pequenos influenciadores certos para cada ação. Por isso mesmo, a Favela Holding e a Peppery inauguraram a Digital Favela com esse propósito, mas focados em criadores de conteúdo das comunidades; e a Squid lançou o serviço Brand Lovers, antes focado em nanoinfluenciadores e agora expandido para perfis com números de seguidores mais diversificados.
Mas, há cerca de três anos atrás, o cenário era outro. Um levantamento realizado pela própria Squid para Meio & Mensagem indicava que a mediação entre agências e microinfluenciadores ainda era baixa. Apenas 23,5% das campanhas com microinfluenciadores eram intermediadas por agências de publicidade. Cerca de 36% das campanhas eram trabalhadas como um projeto recorrente, enquanto 64% eram ações pontuais para lançamento de um produto. “Com a chegada de startups que entregavam tecnologia para esse monitoramento e organização de conteúdo, se começou a ter não só inteligência nessa área de microinfluenciadores, mas também a se repensar as estratégias de comunicação no marketing de influência”, diz o head of ombudsman and insights da Peppery, Arnold Oliveira.
O que tornou os nano e microinfluenciadores mais atrativos durante o período da pandemia e para os anunciantes, de forma geral, foi a possibilidade valiosa de aproximação do público, muito mais efetiva do que a observada entre os maiores creators, aponta o CEO da MField, Flávio Santos. “Acredito que os nanosinfluenciadores foram os precursores do marketing de influência. As redes sociais começaram a se escalar no formato de comunidades a partir de relações interpessoais entre amigos e pessoas que se admiravam umas às outras. Posteriormente, as conexões com celebridades e big names tomaram escala e se consolidaram junto ao público, em geral. É, basicamente, um boca a boca 2.0. Antigamente, você pedia indicação a um amigo ou um vizinho. Hoje, você é influenciado pelos nanoinfluenciadores”, exemplifica.
Projetos acelerados
O projeto Squid Brand Lovers foi acelerado para que o lançamento acontecesse ainda durante a pandemia porque a empresa reconhece a importância do marketing de influência para as marcas e consumidores neste momento. Na mesma pesquisa citada anteriormente, a Squid mapeou que 67% dos respondentes acreditam que as marcas deveriam continuar divulgando seus produtos e serviços, porém, com novas abordagens. Durante este período, as marcas perceberam que era necessário aumentar a conexão com seus consumidores de maneira próxima e humanizada. A princípio, a solução era focada nos nanoinfluenciadores, mas a empresa decidiu amplificar as possibilidades e, agora, permite formar parcerias com marcas e consumidores reais, os quais classifica de brand lovers, ou seja, pessoas que têm relacionamentos com os produtos, serviços ou experiências divulgadas.
De acordo com a Squid, o modelo de negócio permite que a empresa tenha feedbacks e insights próprios, além de estreitar sua união com os brand lovers. E esses consumidores têm a oportunidade de testar os lançamentos e ter sua voz ouvida na tomada de decisão das empresas. A tecnologia da solução visa identificar o melhor perfil para cada campanha com variáveis como alcance médio das publicações, taxa de engajamento do conteúdo e dados da audiência. Os interessados se cadastram e cedem informações sobre as categorias principais com as quais trabalham e a Squid completa a plataforma com dados de pesquisas. O primordial é que esse consumidor tenha uma relação real com o produto ou serviço que está divulgando. Só assim terá autoridade para transmitir sua percepção de maneira autêntica, que é o que as marcas buscam hoje, explica o CRO. “Os anunciantes buscam compreender a audiência, gerar conexões verdadeiras, mas sempre orientados a dados, inteligência e insights. Esses consumidores são importantes aliados para as marcas investirem em melhorias e em novidades para o mercado”, afirma Nelson. “Antes, essa relação era muito pontual e pautada exclusivamente no envio de kits, por exemplo. Agora, com tecnologia e empresas especialistas, é possível mensurar essas ações, trazer dados que ilustram o impacto desse relacionamento e criar experiências relevantes para essas pessoas. O grande desafio das marcas no relacionamento com essas comunidades de influenciadores e consumidores reais sempre foi o mapeamento e monitoramento das ações”, diz.
A pandemia também teve impacto no planejamento da Digital Favela. Em negociação antes da Covid-19, a Favela Holding e a Peppery tiveram que dar uma pausa no projeto quando foi declarada a pandemia. Com a gradual retomada do comércio e a avaliação de que parte da população de favela poderia estar desempregada em decorrência da crise sanitária e econômica, a iniciativa foi retomada com o objetivo de oferecer uma alternativa de trabalho, principalmente aos jovens que já são mais conectados. A plataforma responde a uma necessidade das empresas de se comunicarem com o público de favela, local ou de baixa renda. “Quando você pega vários microinfluenciadores de favela, não vai dar o mesmo investimento que você usa investindo em um grande influenciador. Além disso, ele tem proximidade, fala com seus pares e é valorizado por eles, tem intimidade e senso de continuidade. Não consigo imaginar Anitta vendendo panela, por exemplo”, contextualiza o CEO do Favela Holding e sócio do Digital Favela, Celso Athayde.
Na plataforma, as marcas podem escolher falar com determinada favela, bairro, cidade ou com o País. E o Digital Favela os conecta com os microinfluenciadores. Os criadores de conteúdo se cadastram, indicam que tipo de campanhas não fariam, os temas com quais se relacionam e a Digital Favela oferece uma formação rápida e acompanhamento sobre o que é postado, além de consolidar engajamento, público e região com quem o influenciador dialoga. Já são clientes empresas como Santander, Uber e Facebook. De acordo com Athayde, a resposta rápida do mercado faz com que os influenciadores tenham mais oportunidades e se movimentem para se profissionalizar. “O perfil do mercado de influência não é diverso. Estamos ainda muito focados em um determinado tipo de perfil e isso não se dá pelo segmento de influência, mas pelo mercado geral. Esse perfil vai mudar conforme as empresas começam a ter mais diversidade, a buscar e assumir novos nichos. Isso faz com que outros influenciadores se profissionalizem. Mas o público da favela sofre uma carga de preconceito muito grande. A cada dia que passa, isso tem diminuído, mas de forma menos rápida porque quem tem valor é quem tem muitos seguidores. Isso muda quando criamos um nicho de microinfluenciadores. E, quando você tem muitos microinfluenciadores, você vira macro”, explica o executivo.
Do Piauí para o mundo
Enquanto o espectro de influência inclui criadores de conteúdo com menos seguidores, há influenciadores famosos que estão no extremo, o da internacionalização. Um caso conhecido é de Whindersson Nunes, comediante do Piauí que se consolidou como criador de conteúdo digital até a escalada de shows de stand-up fora do Brasil. De acordo com a Non Stop Produções, que agencia o artista, a internacionalização de criadores já acontece com frequência e pode ser comprovada com indicações em premiações globais ou de fora. “A internet é um campo aberto, as pessoas podem assistir e ter acesso a conteúdo de influenciadores brasileiros em qualquer parte do mundo”, diz o sócio da Non Stop, Alex Monteiro.
No entanto, há estratégias estruturadas para que a consolidação ocorra. Primeiro, é necessário entender se a audiência do criador já é internacional com base nas métricas de seus perfis e acompanhar o engajamento desses usuários. Outro ponto importante é estabelecer parcerias nos locais aos quais se quer chegar. No caso da Non Stop, a agência conta com a United Talent Agency (UTA) para representá-los nos Estados Unidos e auxiliar na compreensão de como a empresa pode se posicionar no mercado para gerar engajamento no público local. “Obviamente, existe a barreira da língua. Por isso, o mais comum é começarmos a internacionalizar em países que falam a mesma língua, como Portugal, Moçambique etc. Na Non Stop, quando um digital influencer começa a internacionalizar, fazemos um trabalho multiplataforma, divulgando a ida desse influenciador em diversos canais de mídia, além da internet. Um bom exemplo foi a ida do Whindersson Nunes a Portugal: o primeiro show foi feito em um teatro muito pequeno e, em um segundo momento, voltamos mais fortes e ele se apresentou em um dos teatros mais importantes do país, o Coliseu, em Lisboa”, explica o executivo.
Os ganhos da internacionalização são diversos. O criador de conteúdo tem a possibilidade de faturar em outra moeda e fechar parceria com marcas de outros países. Portugal é um grande foco da empresa, atualmente, já que o país consome muitos artistas brasileiros, diz Monteiro. Mesmo assim, a maior fonte de lucro permanece sendo a local. “É a repercussão dentro do próprio País, ou seja, o fato de estar fora do Brasil que nos faz ainda mais fortes aqui. Isso é ganho de autoridade, relevância e, consequentemente, aumenta o ticket.”
Desenvolvimento de campanhas
Lançada em dezembro de 2018, a plataforma MIS, do BR Media Group, foi criada com base no desenvolvimento de campanhas com microinfluenciadores, desde a contratação até o pós-venda, para atender demandas variadas, com otimização do processo e melhor entrega, e fomentar uma comunidade de troca de conteúdo, diálogos e aprendizados para os criadores de conteúdo. Para selecionar os perfis, a plataforma faz uma pré-seleção baseada nos perfis de pessoas-alvo na campanha e curadoria pela qual avalia engajamento, produção de conteúdo e adesão com as marcas. A head da MIS, Lina Andreosi, diz que os KPIs dos microinfluenciadores são os mesmos dos macros (engajamento, impressões, visualizações e conversões), só que em escala menor. A solução tem microinfluenciadores em todos os tipos de campanhas, sejam lançamentos de marcas, geração de awareness, eventos, promoções ou serviços. Na perspectiva de Lina, o tipo de comunicação que traz melhores resultados é a que une influenciadores grandes como embaixadores de marcas e microinfluenciadores para gerar sustentação e capilaridade para a mensagem.
“Os microinfluenciadores oferecem muitas possibilidades para as campanhas, mas destacaria duas: nichos e capilaridade. Os micros, geralmente, desenvolvem seus conteúdos em torno de nichos e conseguem ter uma proximidade com suas audiências que influenciadores com milhões de seguidores não conseguem. Isso oferece às marcas possibilidades de cocriação e desenvolvimento de conteúdo que terão sincronicidade maior com o perfil do micro e sua audiência. E, com os micros, conseguimos atingir vários desses nichos de uma vez, trazendo capilaridade para a campanha. Por exemplo, quando falamos em pais, podemos trazer para a campanha uma mãe que acabou de ter seu primeiro filho, uma mãe que já tem dois filhos, um pai, uma mãe solo e um perfil de uma família — no cerne, todos falam sobre o mesmo assunto, mas criamos uma pluralidade de perfis e ampliamos o alcance da mensagem da marca”, exemplifica.
Há mais tempo nesse mercado de soluções e plataformas que conectam marcas com microinfluenciadores, a E.life percebe que os criadores de conteúdo mais segmentados e com menos seguidores já são valorizados e muitos vivem apenas desse trabalho. O CEO da E.life, Alessandro Lima, aponta que o principal avanço é a percepção de que os influenciadores devem ser cocriadores em suas campanhas, mas opina que as marcas brasileiras ainda não estão muito atentas a essa tendência. “O mercado precisa se profissionalizar muito. Tanto o influenciador, que precisa buscar parcerias de longo prazo com marcas (e não apenas promoções ou troca de brindes por menções), quanto a marca, que precisa ver o influenciador como um parceiro de longo prazo e que não irá gerar resultados com apenas ações pontuais. Muitos não sabem como cobrar e nem como criar pautas de conteúdos envolvendo as marcas”, argumenta Lima.
A E.life começou a trabalhar com a oferta de um software para identificação e gestão de relacionamento para empresas em 2016 e, este ano, criou o Buzzmonitor Influenciadores com o objetivo de tornar a busca de influenciadores mais baseada em dados, pelo uso de inteligência artificial (IA), pois notou que essa procura acontecia demasiadamente por indicações e listas que circulam entre as agências. A seleção feita com base nos temas com os quais o influenciador está conectado e na IA identifica a idade do criador e se é uma pessoa ou organização. Lima indica que o nanoinfluenciador com mil seguidores gera um engajamento até seis vezes maior do que criadores com mais de 100 mil seguidores.
Para o executivo, o maior desafio, além da profissionalização, é a gestão de influenciadores a longo prazo que não é feita de forma adequada pelas áreas de comunicação e relações públicas das empresas. Os criadores acabam sendo contratados de forma pontual para campanhas. “Não há continuidade e, muitas vezes, as marcas não se preocupam em criar vínculos duradouros com os influenciadores, atuando mais no envio de brindes e presentes”, afirma. “Um dos desafios das marcas é se tornarem mais humanas nos canais sociais e o influenciador é um passaporte para essa humanização.”
Brand lovers
Enquanto os microinfluenciadores estão em pauta desde, pelo menos, 2017, com nome próprio e presença na estratégia das marcas, os nanoinfluenciadores começam a despontar como novidade no marketing de influência. Esses criadores protagonizaram as primeiras campanhas em meados de 2019, recorda Oliveira, da Peppery. Antes disso, no entanto, em 2016, eram conhecidos como brand lovers, consumidores que geravam conteúdo nas redes sociais. Com o tempo e a constante necessidade de segmentação de mensagem, os nanoinfluenciadores começaram a ser procurados pelas marcas. “Logo após o boom de grandes influenciadores, anunciantes e agências questionaram sua efetividade versus rentabilidade. O que serviu de combustível para pararmos e pensarmos: Isso está certo? Como alternativa, os olhares se voltaram para aqueles perfis menores (médios e microinfluenciadores) que engajam a sua base, têm um público igualmente fiel e podem aumentar a qualidade das conversas sobre a marca, com custo menor, segmentação mais assertiva e maior afinidade do público. Agora, a bola da vez são os nanos”, afirma.
Apesar de entregar menos awareness, são esses influenciadores com uma base menor que conquistam melhores taxas de engajamento e assertividade por proximidade com a base de seguidores. Sua ascensão no marketing se deu por uma saturação no formato de mídia tradicional e pela necessidade do mercado por narrativas mais verdadeiras, acredita Santos, da MField. “Na maioria, os nanoinfluenciadores são personas que não têm essa profissão como fonte de renda, o que, de um lado, os torna mais acessíveis, mas, por outro, dificulta a mecânica e pode tornar o processo menos profissional. Outro gargalo é chegar ao nome ideal. Estamos falando de nanoinfluenciadores com nichos de segmento, com variações demográficas que fazem a curadoria ser mais complexa. Como especialistas, nosso desafio é fazer um filtro qualitativo e humanizado. Plataformas facilitam, mas fazem a seleção cair em um senso comum”, explica.
A diferença entre nanoinfluenciadores e microinfluenciadores, além do número de seguidores, está na maior profissionalização e especialização dos microinfluenciadores porque se trata de perfis que mantém um relacionamento com alguns players e têm a possibilidade de se dedicar unicamente à carreira. “Os microinfluenciadores investem muito em sua imagem pessoal e priorizam participar de campanhas de produtos que já testaram ou acreditam. O volume de parcerias também é fator importante a ser considerado, já que tendem a equilibrar o volume de contratos para não comprometer a autenticidade”, argumenta o executivo.
Patrocínio