Telhado e vitrine ao mesmo tempo

Crescem profissionais que usam perfis pessoais no LinkedIn e outras redes para alavancar as empresas e marcas onde trabalham

Por Carolina Scorce

Crédito: Shutterstock / Arte M&M: Diego Bianchi

Empresas com líderes ativos na internet são 23% mais percebidas do que aquelas que não contam esse tipo de ativo. É o que revelou pesquisa feita pela Hootsuite no primeiro semestre deste ano. Pouco a pouco, marcas e empresas consolidam a ideia de que pessoas comunicam melhor do que CNPJ e que a confiança passa, essencialmente, pela construção feita entre personalidades. A presença ativa de um dos principais executivos da marca nas mídias sociais, que tanto pode ser o próprio CEO quanto o CMO, tem como consequência trazer benefícios concretos ao reverberar os valores e construir a reputação de determinada campanha. Na mesma linha, o fortalecimento das lideranças e colaboradores como referência em determinados espaços aumenta a visibilidade dos profissionais no mercado.

Mas ainda são poucos os profissionais C-level que se expõem, omitem opiniões e impulsionam a imagem da empresa por meio do próprio perfil profissional. No Brasil, dois exemplos proeminentes são o CMO do McDonald´s, João Branco, cujo perfil no LinkedIn, precisamente, é João Branco do Méqui, e Luiza Trajano, cuja imagem está intrinsecamente ligada ao Magalu, ou Magazine Luiza, do qual é a principal comandante e face. A mesma pesquisa da Hootsuite aponta que 21% da população global tende a comprar algo de uma empresa cujo gestor seja ativo nas plataformas digitais. A presença desse CEO ou CMO nas redes seria uma espécie de selo autenticador dos valores da marca. Ainda segundo a Hootsuite, isso é válido até mesmo no próprio nível gestor das empresas: 73% dos executivos querem saber o que os outros CEOs estão desenvolvendo, e esse conteúdo, proliferado entre eles e até mesmo com os colaboradores, aumenta o engajamento cerca de oito vezes mais na atração de novos clientes.
Não à toa, a estratégia relacionada a influenciadores na comunicação das empresas é, principalmente, desenvolvida internamente pela equipe de marketing.

 

Embora não seja um requisito para o CEO ou CMO ter perfil atuante nas plataformas sociais da empresa na qual trabalha, é fato que a comunicação por meio do perfil pessoal desse executivo, que fala em nome da marca, é tendência tanto quanto é o consumidor usar redes sociais para comprar e avaliar marcas.

O conteúdo compartilhado por executivos e colaboradores de uma empresa que se relacionam, explicitamente à marca na qual trabalham, mistura rotina pessoal e profissional, acontecimentos das organizações, trajetória, novidades e pontos de vista. No LinkedIn, principal plataforma de compartilhamento de conteúdo sobre trabalho e negócios, cresce o número de perfis relevantes tanto de executivos quanto de outros colaboradores que podem, igualmente, dar visibilidade para as empresas.

“Para ser um executivo que está liberado para fazer vitrine para a marca, o profissional precisa ser reconhecido como porta-voz da empresa. O influenciador tem a perspectiva de construção de comunidade em torno daquilo que se faz. Alguns falam sobre carreira, mas não falam sobre o trabalho que fazem na empresa porque isso implica em expor sua estratégia, inclusive de comunicação”, diz a sócia-fundadora da Brunch, Ana Paula Passarelli. A Brunch e agência especializada em creator economy e fornece formação para as empresas que desejam qualificar seus colaboradores para essa habilidade.

A Unilever é uma das pioneiras nessa estratégia e começou a dar os primeiros passos em 2020. Os embaixadores, ou U-Fluencers como são chamados, usam o LinkedIn como principal canal para falar de temas relacionados às suas áreas de atuação e propósitos. Os conteúdos incluem posts sobre equidade, diversidade e inclusão, e vão até a transformação digital e a privacidade de dados. As publicações têm sido usadas não somente para mostrar a relevância da empresa, mas também para divulgar novos produtos e competências.

 

Essa ideia que funde algo que está no limiar entre o que é vida privada e vida pública-profissional exige cuidados e é preciso avaliar, do ponto de vista ético e trabalhista, se tudo está nos conformes. “Há empresas que gamificam essa exposição. Dão presentes, pontos, estrelinhas. A questão é internamente mal debatida. Mas, os funcionários que não querem ter rede social, deixará de ser promovido e crescer em sua carreira por isso? Estar ali falando de si, do trabalho e, eventualmente, da empresa onde se trabalha tem de ser escolha individual que não passa por cobrança tácita de que isso pode prejudicar a sua carreira”, defende Ana Paula.

Por isso, um executivo que é reconhecido internamente pela organização como um porta-voz está num espaço de fala seguro. Mas, e os que não o são? E os que desejam criar conteúdo no LinkedIn, falar sobre carreira e seu trabalho, mas não foram destacados pela empresa para essa função?

Itokers

Há um ano e meio, o banco Itaú Unibanco entrou de cabeça na criação de conteúdo como principal chave para se comunicar com o público. A frase, que antes era “Itaú: feito para você” virou “Itaú: feito com você”. O banco percebeu que a creator economy, é, de fato, economia que movimenta bilhões todos os anos, e que, mais uma vez, pessoas comunicam questões que o banco jamais poderia falar. Um exemplo foi quando a criadora de conteúdo Dandara Pagu lançou conteúdo na página do banco dizendo “Até há uma semana, eu tinha o nome sujo”, e contou a história de como conseguiu se organizar financeiramente. Dandara é contratada do Itaú, e não somente para aparecer nas redes, mas também para ajudar a formar outros potenciais criadores de conteúdo dentro do projeto Academia de Criadores.

A iniciativa deseja movimentar o fomento a essa economia. Em paralelo, o Itaú criou o projeto Itokers que, com a consultoria da Brunch, oferece preparo e cultura para criadores de conteúdo que são funcionários do banco. A ideia abraça desde funcionários das agências até quadros de liderança e setor administrativo.

A ideia inicial era ajudar a estruturar e profissionalizar o mercado de criadores de conteúdo com a Academia de Criadores, de forma que soubessem melhor como construir ideias, gerir as redes, agregar público e comunidade e até a precificar os serviços. “Percebemos que os influenciadores acabam circulando todos pelo mesmo quintal. Alguém fala algo de uma marca dia 1º., a mesma coisa para outra marca dia 2, e tudo vai perdendo verdade, sustentação”, diz a superintendente de redes sociais e conteúdo do Itaú, Thaíza Akemi.

Thaiza, do Itaú: “Entendemos que, dentro do Itaú, temos talentos que podem falar sobre diversidade, tecnologia ou qualquer outro assunto que desejem, pelo banco ou não”

No trabalho com a Brunch e com a consultoria YouPix, responsáveis por equipar a empresa sobre a evolução desse mercado nos últimos anos, a superintendente entendeu que era preciso avançar com o projeto para dentro de casa. “Comecei a pensar que não era possível que não tivéssemos, dentro do banco, pessoas que pudessem ser criadores. Foi quando criamos o Itokers. Que está dentro de uma perspectiva de capacitação e aceleração de carreiras. Entendemos que, aqui dentro, temos talentos que podem falar sobre diversidade, tecnologia ou qualquer outro assunto que desejem, pelo banco ou não”, explica Thaíza.

O programa não é destinado apenas a executivos, mas pode ser também, caso as lideranças se interessem. O foco é que mais trabalhadores que queiram criar e influenciar nas redes possam fazê-lo e que as plataformas da marca Itaú deixem de ser plataformas de mídia para serem de autoridade.

Top voice


Ser top voice no LinkedIn; nativo digital; ou alguém que não sabe quase nada, mas que vai atrás de formação e cria suas áreas de especialidade e influência no Instagram; e sabe criar conteúdo, firmar comunidade, o que não significa ter milhares de seguidores, mas sim ter relação consistente e duradoura com o público, ou seja, monetizar o trabalho. Tudo isso são soft skills na mira das empresas.

Fernanda, da FD: “É importante ecoar o trabalho feito como referência e, por isso, uso a conta pessoal para falar das marcas”


E os profissionais têm ocupado esse espaço. Fernanda Domingues é CEO da FD Comunicação, empresa que faz assessoria de imprensa, mídias sociais e é consultoria exclusiva para a área de games e de eSports. Em 2020, Fernanda foi uma das top voices do LinkedIn e contabiliza mais de 30 mil seguidores na rede. Suas postagens são, essencialmente, sobre o universo dos games, ramo de especialização da FD, e são usadas para dar visibilidade a parceiros, serviços e produtos da própria empresa. “Para os clientes, é importante que consigamos escoar nas redes o trabalho feito como referência naquilo que traçamos de estratégia. Por isso, uso minha conta pessoal para falar das marcas e influenciar dentro do mercado. Eles (clientes) chegam até nós também porque sabem que há essa autoridade pública falando sobre um ecossistema ao qual lhes interessa ter abrangência”, explica a CEO.

Na outra ponta está Carol Patrocínio, diretora de criação da Africa para Lojas Marisa e Ambev. Carol é a típica nativa digital. Conta que começou a fundir a carreira como jornalista com novos formatos de comunicação “quando a YouPix ainda era uma revista e tínhamos que digitar no navegador uma URL para entrar nos conteúdos”. À medida que as redes sociais ganharam forma e as formas de entregar conteúdo ao público se modificaram, a jornalista tem se adaptado, cria e recria e, independentemente da empresa ou marca para a qual trabalha, está sempre falando sobre inovação e várias formas de dialogar com leitores, espectadores, clientes e a população, em geral.

Carol, da Africa: “Nunca foi uma obrigação. Não gosto da ideia de que todo profissional tem que estar ali se vendendo o tempo todo”

 

Diversidade é o tema central da carreira de Carol e é também uma das principais pautas quando a questão é criar conteúdo sobre o trabalho. A jornalista reconhece que ocupar plataformas digitais diversas em paralelo ao trabalho desenvolvido com agências e marcas a ajudou a se tornar referência no assunto. “Nunca foi uma obrigação. Gosto de falar sobre novas linguagens, diversidade, de trocar essa ideia e, por isso, de quando em quando, vou ali mostrar algo, discutir um assunto. Não acho que isso deva ser exigência em nenhum campo. Na comunicação, que é o universo que ocupo, criar conteúdo é algo mais orgânico. Mas não gosto da ideia de que todo profissional tem que estar ali se vendendo o tempo todo. Precisamos ter boas condições para poder estudar e se desenvolver nas nossas áreas, independentemente de ter um perfil badalado ou não”, avalia.

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