Rumo à profissionalização
De cursos voltados à capacitação à PL que regulamenta a atividade, aumentam as iniciativas voltadas à qualificação do marketing de influência
De cursos voltados à capacitação à PL que regulamenta a atividade, aumentam as iniciativas voltadas à qualificação do marketing de influência
Por Fábio Vieira
É bem provável que o consumidor siga um influenciador digital ou criador nas redes sociais e que já tenha comprado um produto após ser impactado por mensagem divulgada por ele nos ambientes de conexão entre as pessoas. O marketing de influência é relativamente novo, mas tem se expandido e atraído investimentos de maneira exponencial. Neste momento, cresce o tom do debate em relação à profissionalização da atividade dada a importância que os influenciadores têm alcançado não só na comunicação das marcas, mas como fonte de atividades para a economia.
Essa conversa sobre a profissionalização do marketing de influência se torna mais importante quando se avalia a abrangência que o segmento atingiu em poucos anos. Atualmente, existem cerca de 10,5 milhões de pessoas no Brasil com, pelo menos, mil mil seguidores cada uma, em média, número que coloca o País como líder mundial na categoria Instagram, segundo levantamento realizado pela Nielsen entre novembro de 2021 e abril deste ano. Quando consideradas as plataformas Instagram, TikTok e YouTube, o Brasil fica em segundo lugar, atrás apenas dos EUA.
Dada a expansão, a comunicação realizada pelos influenciadores tem atingido um público cada vez maior. Segundo pesquisa da Global Consumer Survey, a parcela de brasileiros impactados pelo marketing de influência era de 36%, em 2019, e saltou para 40%, no ano passado, índice que coloca o Brasil entre os líderes como a China. Todo esse potencial deve fazer essa atividade movimentar R$ 79 bilhões até o final deste ano, segundo previsão do Business Insider. “O que temos visto é um crescimento natural do marketing de influência devido à expansão das próprias redes sociais. Quanto mais conexões temos, mais propensos a ser impactados por esse tipo de ação estaremos”, afirma o coordenador do MBA em marketing e inteligência de negócios digitais da FGV, André Miceli. O coordenador diz que a influência de outras pessoas, no momento de compras, existe há muito tempo e está relacionada à segurança que essas pessoas são capazes de despertar.
A audiência massiva das ações e o investimento crescente por parte dos anunciantes têm impulsionado diversas iniciativas voltadas à profissionalização do marketing de influência. No início deste ano, o influenciador digital foi reconhecido como profissão junto ao Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), e lei para regulamentar a área está em pauta no Congresso Nacional. Além disso, o ecossistema do marketing de influência abrange agências especializadas, consultorias, empresas focadas em dados, sindicato e instituições que oferecem cursos para capacitar profissionais.
A própria FGV aborda o tema nas disciplinas gestão de conteúdo e mídias sociais que integram a grade curricular do MBA coordenado por Miceli. O curso, afirma o coordenador, aborda da construção da mensagem à relação dos influenciadores com público e as marcas, além de falar também de analytics para que os alunos saibam interpretar dados e usar informações para tomar decisões mais embasadas na área.
Os cursos e iniciativas voltados à capacitação são consequências do desenvolvimento que essa atividade obteve nos últimos anos. Junto com o aumento do número de influenciadores e creators, e maior envolvimento das marcas no segmento, um fator que aponta para a maturidade do marketing de influência é a função que os profissionais precisam desempenhar, voltada à gestão de suas carreiras, onde são também empresários de suas próprias empresas.
“Não tenho dúvida que essa evolução seguirá em velocidade exponencial. Basta olhar um ano atrás e ver o patamar que o marketing de influência se encontra agora, atraindo mais investimentos de marcas e sendo disciplina cada vez mais estratégica”, afirma o cofundador e CSO da Spark, Rafael Coca. A empresa opera desde 2014 e já fez mais de dois mil projetos envolvendo cerca de 500 marcas e mais de três mil influenciadores. “De um ponto de vista mais macroeconômico, é importante ressaltar que a creator economy, na qual o marketing de influência está inserido, já representa 3% do PIB do Brasil, segundo informações da UBC/Firjan, com a geração de novos empregos e startups dedicadas, se consolidando como importante segmento para a economia do País”, aponta Coca.
A crescente profissionalização do marketing de influência demonstra dois principais pontos, conforme avaliação do CEO e cofundador da Squid, de Felipe Oliva. A empresa é especializada em marketing de influência baseado em dados. O primeiro ponto está focado no creator, cuja profissão tem ganhado espaço, visibilidade e oportunidades. “Não à toa, diversas empresas têm nascido para dar suporte financeiro, jurídico e de conteúdo para todos que decidem investir na carreira de criador de conteúdo”, diz Oliva.
O segundo ponto diz respeito às marcas, nas quais há grandes investimentos na humanização entre as empresas e o público, com o marketing de influência como ferramenta perfeita para essa conexão. “Aproximar e trazer clientes mais alinhados com a missão e os valores da marca impacta diretamente em comunicação efetiva e na receita das empresas que buscam por tecnologia e dados para escalar e obter seus resultados”, completa o executivo da Squid, que já realizou projetos para marcas como Spotify, Unilever, Ambev, P&G, Santander e Natura.
Usar uma rede social para divulgar conteúdo que fideliza, engaja e influencia milhares de seguidores é receita que tem dado certo quando o objetivo é impactar o consumidor para gerar vendas aos anunciantes. Segundo estudo do Instituto Qualibest, realizado este ano, 76% dos usuários de internet do País já realizaram compra ou contrataram serviço com base na indicação de um influenciador digital.
O índice explica a rápida expansão do mercado, o que obrigou os profissionais a lidarem com as ações em meio ao crescente investimento dos anunciantes. “Os profissionais precisaram aprender com o carro andando. E falo dos influenciadores que, além de precisarem entender como se portar e qual conteúdo criar, também estão aprendendo a serem empreendedores e gestores das próprias marcas e empresas e das pessoas que trabalham nas agências e anunciantes, que precisam ter novo olhar sobre o segmento”, comenta o sócio e COO da Mynd, Carlos Scappini.
Com uma carteira com mais de 400 influenciadores — entre eles Luísa Sonza, Claudia Leitte, Cleo Pires, Tiago Abravanel e Pabllo Vittar — a agência lançou, no ano passado, braço denominado Mynd Business Consulting para atender empresários e executivos que atuam nesse segmento.
Um maior entendimento em relação ao papel dos influenciadores digitais nas estratégias de comunicação e sua importância para a divulgação de produtos e serviços por meio das redes sociais é um dos avanços apontados pelo CEO e cofundador da Squid. Como forma de profissionalizar os creators, a empresa criou comunidade própria, denominada #VidadeInfluencer, que é uma plataforma que oferece gratuitamente cursos e conteúdo voltados à profissionalização dos influenciadores e que tem mais de 50 mil membros ativos. “As empresas têm entendido a necessidade de se trabalhar com influenciadores digitais e têm investido de forma crescente no segmento. As estratégias com criadores de conteúdo estão se tornando mais presentes nos planos de marketing não somente de grandes marcas, mas também de pequenas e médias empresas a cada ano”, diz Oliva. A produção de conteúdo, afirma, também tem se aprimorado, com os creators trabalhando mais com estratégias criativas e produção autêntica nas redes sociais.
Em meio ao crescimento, um movimento da própria área evidencia o processo de profissionalização. Enquanto há alguns anos as grandes campanhas eram realizadas por atores e apresentadores de TV — tendo essa mídia como importante aliada para alavancar resultados na área — agora grande parte do protagonismo é de profissionais que construíram suas carreiras nos meios digitais. “Há diversos influenciadores com muito mais seguidores do que os famosos da TV. E, com reconhecimento maior do público, eles acabaram ganhando mais protagonismo nas campanhas”, afirma Scappini. “Esse é um processo natural, as marcas precisam apostar em pessoas que o público quer ver em suas ações”, completa o executivo da Mynd.
Essa mesma visão é compartilhada pelo sócio e COO da iFruit, Gian Barbera. “As marcas procuram influenciadores para que emprestem sua credibilidade, linguagem, características, valores, imagem, conteúdo e influência junto aos seus seguidores”, afirma. Esse tipo de ação era realizado nos meios de comunicação mais tradicionais a partir de celebridades, artistas e atletas que emprestavam sua imagem para as marcas. “Essa possibilidade foi ampliada para que os criadores de conteúdo nascidos e criados em ambiente digital se tornassem protagonistas na comunicação das marcas, em geral”, completa o executivo da iFruit.
A maior participação dos influenciadores digitais na comunicação das marcas é explicada pelos retornos obtidos pelos anunciantes. Coca, da Spark, cita dado da pesquisa Youpix ROI & Influência 2021, que aponta que 86,5% das empresas concordam que trabalhar com influenciadores traz resultado que nenhum outro tipo de comunicação pode trazer. “Influenciadores deixaram de ser coadjuvantes para protagonizar campanhas e projetos de marketing. As estratégias estão centralizadas no influenciador, algo que, no passado, tinha pouco investimento”, diz.
Ao mesmo tempo, os influenciadores têm que lidar com maiores cobranças da entrega de suas ações. “Os influenciadores têm sido tratados como canais de mídia e, com isso, cobranças de performance ficaram mais fortes e a análise deixou de ser tão básica quanto alcance e engajamento”, avalia o sócio e chief gaming officer da Druid, Bernardo Mendes.
Apesar do desenvolvimento do marketing de influência, a necessidade de melhora em alguns pontos é vista como natural pelos especialistas. Na avaliação de Miceli, coordenador da FGV, para evitar atritos no alinhamento entre influenciador e marca — como mudança de opinião do profissional ou imagem que deixou de fazer sentido na estratégia de comunicação —, a tendência é que os algoritmos ganhem mais espaço para reduzir os riscos que as pessoas podem gerar para as marcas. “Isso culminará com a ascensão de avatares como já ocorre com a Lu, do Magazine Luiza, ou a Bia, do Bradesco. São amostras de inteligência artificial (IA) que se conectam com as pessoas e que, com o tempo, são capazes de influenciar seus comportamentos também”, aponta Miceli.
Coca, da Spark, diz que a melhora da área ocorrerá a partir do equilíbrio entre criatividade e uso de dados. “É nesse aspecto que vejo o principal ponto a avançar: ser uma disciplina data driven, na qual tenhamos métricas claras, maneiras de mensurar KPIs, retorno sobre investimento (ROI), retorno sobre ativos (ROA) etc.”, afirma.
Já Scappini, sócio e COO da Mynd, aponta um problema de estrutura do País como obstáculo. “Precisamos que o acesso à internet não seja tão restrito como ainda é no Brasil. Conforme a internet se tornar mais acessível aos brasileiros, o mercado de influência digital só tende a crescer”, afirma. “Acredito que esse é apenas o começo de uma profissão que se consolidará com o passar do tempo”, completa.
Gamers buscam profissionalização em mercado que ultrapassou a marca de US$ 1 bilhão
movimentado no Brasil, no ano passado, e que abrange cerca de 75% da população do País
Assim como os influenciadores e creators, outra atividade baseada em ambientes digitais que tem ampliado espaço é o setor de gamers. Essa área tem crescido tanto no Brasil que ultrapassou a marca de US$ 1 bilhão, no ano passado, montante que representa alta de 18% em relação a 2020, segundo dados da 22ª edição da Pesquisa Global de Mídia e Entretenimento, realizada pela PwC, que também apontou projeção de crescimento anual de 12% até 2025.
A abrangência que o setor atingiu no País criou as condições para que a categoria seja reconhecida oficialmente como profissão. Há pelo menos cinco anos a regulamentação para a área é debatida no Congresso Nacional. Enquanto isso, o reconhecimento da atividade tem sido feito de diferentes maneiras. O Ministério do Trabalho, por exemplo, tem concedido visto de trabalho aos jogadores estrangeiros de esportes eletrônicos (eSports) na qualidade de “atletas”.
Por outro lado, os eventos e projetos ligados à modalidade são aceitos e aprovados pelo Ministério do Esporte no âmbito da Lei de Incentivo ao Esporte.
Para quem olha a categoria de fora, entretanto, a profissionalização já faz parte do setor. Os eventos chegam a atrair um público de dezenas de milhares de pessoas e a estrutura das equipes de gamers contam com profissionais como gestores, preparadores físicos e psicólogos, além de apoios jurídico e financeiro. Clubes como Flamengo e Corinthians já investem na modalidade e a própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF) incluiu curso de gestão voltado para eSports na do CBF Academy, braço educacional da entidade.
A profissionalização do segmento de games tem sido até mais rápida quando comparada à de influenciadores digitais, diz o sócio e chief gaming officer da Druid, Bernardo Mendes. “Não somente as marcas têm feito investimentos maiores, mas também as publicadoras e distribuidoras têm visto o mercado latino-americano como grande oportunidade de crescimento”, avalia o executivo.
Segundo dados da 9ª edição da Pesquisa Game Brasil (PGB), 74,5% da população brasileira jogou games este ano, crescimento de 2,5% em relação ao ano passado. Outro dado que mostra a expansão é a quantidade estimada de estúdios dedicados a jogos no País. Segundo a Pesquisa da Indústria Brasileira de Games 2022, realizada pela Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos (Abragames), em parceria com a Apex-Brasil, são 1.009 estúdios ante apenas 375 registrados em 2018. “Não somente temos grande parcela da população jogando, mas também há um nível de engajamento muito superior a outros clusters. Quando se pensa em comportamento digital, é impossível desvincular sua estratégia do setor de jogos eletrônicos”, aponta o executivo da Druid, que é considerada a primeira agência publicitária focada exclusivamente no mercado de games.
A Druid tem dois núcleos voltados à profissionalização dos gamers e influenciadores: um direcionado à representação comercial, com diversas iniciativas internas para profissionalizar o talento e como se conecta ao mercado; e outro focado na gestão, com a profissionalização no processo entre o kick off e o reporting, ou seja, do início até a divulgação. “Tentamos não somente educar os influenciadores, mas também os clientes, visto que há uma tendência de fazer investimentos pilotos em segmentos que antes não atuavam com marketing de influência. Esses setores necessitam de etapa de educação pré-kick off para termos clareza nas métricas de sucesso para a campanha”, explica Mendes.
Regulamentação em pauta
No primeiro semestre deste ano, o marketing de influência obteve um importante passo rumo à profissionalização com o reconhecimento da atividade como profissão pelo Ministério do Trabalho e Previdência (MTP). Com esse ato, a área passa a ser registrada na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) sob o número 2534-10.
“Esse fato extraordinário tende a impulsionar uma série de outras ações e medidas paralelas, no caminho não apenas da profissionalização do mercado de influência, em todo seu ecossistema, como também no sentido de fomento e promoção do empreendedorismo digital”, avalia o advogado Sóstenes Marchezine, um dos idealizadores e cofundador da Associação Brasileira de Influenciadores Digitais (Abrid), que teve atuação direta para o reconhecimento junto ao MTP.
Apesar dos benefícios e novas oportunidades que a iniciativa deve gerar para os profissionais de marketing de influência, o advogado cita que há outras demandas que precisam ser consolidadas, como tornar a atividade passível de registro direto como microempreendedor individual (MEI); e a previsão direta do influenciador digital no rol da classificação nacional de atividades econômicas (CNAE), o que propiciará o registro de empresa. “Assim, todos ganham em segurança, credibilidade e institucionalidade com reconhecimento social”, afirma Marchezine.
Além do registro junto ao MTP, um projeto de lei tramita no Congresso Nacional desde 2018 para regulamentar a profissão de influenciador digital. Apesar da importância do texto para a atividade, a regulamentação da profissão por lei não é regra. O cofundador da Abrid cita, por exemplo, que, das 2.269 atividades que são reconhecidas no Brasil, apenas cerca de 70 são regulamentadas por lei. “O País já reconheceu a legalidade da profissão do influenciador digital, que está em total conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro”, aponta o advogado.
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