Engajamento enterra a era dos likes
Criadores não precisam mais disputar curtidas e seguidores, e sim garantir resultados; CMOs buscam respostas às ações baseadas em tecnologia, métricas e estratégias rastreadas de ponta a ponta
Criadores não precisam mais disputar curtidas e seguidores, e sim garantir resultados; CMOs buscam respostas às ações baseadas em tecnologia, métricas e estratégias rastreadas de ponta a ponta
Por Françoise Terzian
Não é só like, embora um dia, lá atrás, já tenha sido. A (outrora) visão míope que a indústria teve dos influenciadores, ou creators, ficou presa ao passado. Desde o pré-pandemia, as ferramentas e métricas capazes de trazer respostas às inúmeras perguntas dos chief marketing officers (CMOs) só crescem e se sofisticam. Ninguém quer, e nem pode, ver a verba de marketing escorrer pelo ralo sem trazer resultados. Caminho irreversível, o creator veio para ficar, agregar e, em alguns casos, até mesmo substituir. “Se bem trabalhado, o influenciador traz muito mais eficiência e economia para uma campanha do que mídia”, afirma o CEO da Bullet, Fernando Figueiredo. “Diferentemente de trabalhar com TV Globo que fala com grandes números, no digital consigo quase personalizar a mensagem e entregá-la praticamente para a pessoa”, observa.
Com 160 milhões de usuários de redes sociais no Brasil, que passam 40% de seu tempo total de internet mergulhados no Instagram, Facebook, TikTok, dentre outros apps do tipo, é mandatório comunicar-se com esse público. Um dos caminhos é utilizar-se da voz e da audiência dos mais de 500 mil creators que têm mais de dez mil seguidores, segundo dados da Nielsen. No mundo, o marketing de influência, que já vinha crescendo ano a ano, explodiu de vez com a pandemia e o isolamento social, e deve movimentar US$ 16,4 bilhões neste ano, de acordo com o Influencer Marketing Hub.
No Brasil, estima-se que 43% da população já fez compra por influência de celebridade/influenciador. Nos EUA, esse montante é bem mais baixo (17%), de acordo com estudo da plataforma de cupons Cupomvalido, com a Statista e Hootsuite. Isso posiciona o Brasil como o primeiro no ranking mundial na relevância dos influencers na decisão de compra online. Diante de números tão representativos, a diretora de marketing Brasil do Mercado Livre e Mercado Pago, Fernanda Magalhães Schmid, diz que “já nem se pensa em fazer campanhas sem usar creators”. É a creators economy.
O discurso da executiva do Mercado Livre faz sentido para a mentalidade da maioria dos CMOs. Quase dois terços (68%) das empresas que fazem orçamento para marketing de influência pretendem aumentar seus gastos nos próximos 12 meses, aponta levantamento do Influencer Marketing Hub.
O que há por trás dessa escalada de investimento? O fato de o marketing enxergar o creator como meio para a entrega de mensagens muito mais certeiras e cirúrgicas. “Eles atingem diferentes públicos na linguagem da pessoa. E quando a marca se associa a eles, você ganha essa autoridade, essa chancela”, observa Fernanda. Por isso, marcas e agências têm olhado além dos números e buscado resultados palpáveis das ações feitas com os criadores de conteúdo.
Além das curtidas
É um erro avaliar o valor do creator apenas pela sua audiência ou quantidade de likes, até porque há perfis que apelam para os robôs (ou seja, compra de seguidores e curtidas). De um tempo para cá, o foco do marketing das empresas e das agências mudou muito, deixando de olhar apenas para a audiência, um vício natural do mercado. A culpa, explica Figueiredo, da Bullet, é da indústria que sempre encarou os influenciadores como mídia e, naturalmente, quando isso acontece, o que as pessoas levam em consideração é a audiência. A era do “vamos contratar o influenciador A, B ou C porque tem mais seguidores” não faz mais sentido para quem se profissionalizou com ferramentas, métricas e time com olhar apurado.
À medida que as ferramentas com potencial de mensurar resultados começaram a pipocar, a indústria passou a entender que audiência não significa absolutamente nada. “Você começa a perceber que existe uma coisa chamada engajamento, mais relevante do que era há três anos. Às vezes, tenho um influenciador A com muito menos audiência e seguidores que o influenciador B, mas, com relação ao engajamento, o A traz muito mais gente para a conversa do que o B. A indústria começou a perceber isso”, observa Figueiredo.
Duas ações demonstram na prática esse discurso. No final de 2020, na ocasião dos 110 anos da marca, o livro de receitas União foi reeditado e relançado. Na época, a Bullet trabalhou com uma régua de influenciadores como Ivete Sangalo, Rodrigo Faro e a cantora Simone. Pelo resultado da campanha que aconteceu paralelamente em todas as redes sociais e extrapolou para os pontos de venda (PDVs), não foi necessariamente a maior audiência que trouxe o maior engajamento. “Simone promoveu mais engajamento do que Ivete na campanha, o que significa que, especificamente para aquele assunto, o público da Simone engajou mais do que o da Ivete”, exemplifica Figueiredo. Qual é a explicação para isso? O público que segue determinado influenciador o faz por motivo específico. E quando o influenciador fala daquele motivo, o engajamento aumenta. No caso, talvez por Simone trazer a cozinha para o seu dia a dia nas redes sociais e mostrar mais proximidade com o assunto.
Além de comprovar que audiência não é tudo, esse exemplo revela a importância de se usar o arsenal tecnológico à disposição das empresas. Há muita coisa paga, assim como gratuita. Dependendo do tipo do grau de sofisticação das ferramentas e do retorno oferecido, o investimento torna-se muito interessante. “Usamos Winnin não (apenas) para entender quem tem mais engajamento, mas quem tem mais engajamento e pertinência para determinados tipos de assuntos”, diz o CEO da Bullet.
Em outra ocasião, na busca por creators de arquitetura e construção, o time da agência percebeu que determinado perfil que não era da área apresentou picos muito grandes de audiência em conversas sobre o tema. Ao pesquisar mais a fundo, o motivo foi revelado. O influenciador estava mudando de casa e passou a falar mais sobre o assunto. No entanto, a agência acabou preferindo não seguir com aquele influencer para determinada campanha por entender que seu perfil não traria engajamento suficiente para aquele assunto. Ou seja, o tema foi abordado em sua rede social de forma pontual e não recorrente.
Tamanho não é conversão
Engajamento é o ouro das redes sociais, ativo que pode levar à conversão de vendas e ao fortalecimento da marca, dentre outras missões. Creators bem selecionados dentro de campanhas previamente pensadas aumentam essa possibilidade.
Para gerar engajamento, é necessário proximidade com creator de nicho ou que, mesmo não tão nichado, insira mais frequentemente o tema da ação em seu dia a dia, de forma a ser reconhecido e se mostrar interessante a sua audiência. Por conta da taxa de interação e conversão, uma ação com dez creators de 100 mil seguidores tende a ser maior em relação a um único influenciador com 1 milhão de seguidores, observa o professor dos programas de MBA da FGV na área de analytics e diretor de estratégia da 80 20 Marketing, Kenneth Corrêa. Micro-influenciadores (de 10 mil a 100 mil seguidores), apontam especialistas e pesquisas, têm melhores taxas de engajamento do que mega-influenciadores.
Se tamanho fosse sinônimo de conversão, a influenciadora Arii, com 2,6 milhões de seguidores no Instagram, não teria tido tanta dificuldade ao tentar, sem sucesso, vender 36 camisetas. O anti-case correu o mundo em 2019 e trouxe algumas lições. Para Corrêa, a primeira é que uma ação isolada não funciona, a não ser que ofereça produto exclusivo e, portanto, escasso, ou barganha, a exemplo de desconto enorme, e não 5% à vista no boleto. “É difícil tirar o usuário de um lugar para o outro, como fazer com que ele passe do Instagram para o TikTok ou do YouTube para o e-commerce”, argumenta o professor da FGV. As ações precisam ter estratégia e gancho com a jornada do cliente. “Em um mundo corrido como o de hoje, no qual as pessoas fazem mil coisas, ninguém vai parar para executar seu objetivo de campanha”, alerta.
E, nesse acompanhamento da jornada do consumidor, é preciso ser pautado pelos dados. É aí que os primeiros problemas começam a ficar visíveis. Nem todas as empresas ainda têm esse olhar. Outro ponto que precisa de ajuste de rota é o fato de 30% dos profissionais de marketing ainda não medirem o retorno sobre investimento (ROI) de suas campanhas de influenciadores, aponta levantamento do Influencer Marketing Hub. Pior: muitas não o fazem por não saber como.
E quando não se sabe, o primeiro retorno que se busca é a chamada “métrica de vaidade”. Ou seja, aquela que não diz muita coisa, mas que aumenta o ego com número de seguidores e curtidas. Muitas vezes com o risco de ser fraude. “Aí a pergunta que se tem que fazer é: essa ação gerou quantos acessos ao site, por exemplo? Há outros awareness digitais variados possíveis de serem medidos como geração de muitos seguidores, vendas via cupons etc.”, questiona o diretor de business intelligence na BETC Havas e professor de analytics do Mackenzie, Gabriel Ishida. O trabalho com os influencers, no entanto, amadure. Ishida observa que, em vez de olhar só para seguidores, observa-se a pós-contribuição para a marca. Deve-se olhar o influenciador como canal da estratégia de comunicação e, no lugar de ver o número alcançado, ver a geração atingida, valores entregues e posicionamento da ação.
Como primeiro passo, o diretor da BETC lembra que as próprias plataformas oferecem informações sobre audiência e métricas, de forma a enriquecer a percepção sobre audiência e seus hábitos. Praticamente todas as redes sociais têm área de insights que atendem principalmente os creators. Para marcas e agências, há ferramentas mais poderosas.
Atualmente, ainda conforme o Influencer Marketing Hub, 42,3% das marcas acreditam que conversões e vendas são as métricas mais importantes do sucesso de campanhas de marketing de influenciadores. Outras marcas medem o sucesso com base no engajamento ou cliques (32,5%) e visualizações, alcance e impressões (29%). A busca pelo resultado começa bem antes do início da campanha. “Primeiro utilizamos o Winnin, ferramenta que nos permite, através de social listening, entender as conversas e os influenciadores que conseguem gerar maior engajamento sobre determinado assunto”, afirma Figueiredo, da Bullet.
De olho nesse engajamento, a Bullet recomendou o apresentador Marcos Mion ao Mercado Livre. Em contrato de 18 meses, todas as campanhas promocionais do Mercado Livre usarão Mion. “Mion é, hoje, o influenciador com o maior poder de engajamento que o mercado tem”, afirma Figueiredo. O apresentador global foi avaliado em diferentes métricas e análises do poder de engajamento. Motivos: primeiramente, seu nome está presente em televisão aberta. Secundariamente, por mostrar um lado humilde que agrada e o equipara ao consumidor. “Ele fala de igual para igual e não de cima do pedestal com todos os tipos de público — com a minha mãe, filho, avó. Todos têm carinho por ele. E isso é mérito dele, capaz de conversar e engajar com vários públicos”, diz o CEO da Bullet.
Por outro lado, o executivo lembra que o cliente corajoso, adepto do beta contínuo (que vai colocando ações no ar e testando ao mesmo tempo), ajuda. Defensor do fail fast (se for para errar, erre rápido), Figueiredo alerta que a indústria não quer, e não pode, mais ficar mais seis meses planejando a ação para colocar no ar. “No mundo dinâmico das redes sociais e dos vídeos, o influenciador é ferramenta extremamente poderosa. Porque consigo contratar, produzir e veicular um influenciador em uma semana. Consigo fazer isso muito rápido. O Mion nós viabilizamos em tempo recorde: um mês para contrato longo”, exemplifica.
Perfis diferentes
O mesmo olhar tem a Nestlé, que tem 100 marcas e estratégias diversificadas que demandam perfis diferentes de influenciadores a serem ativados. “Trabalhamos com grandes influenciadores e celebridades de alcance nacional como Mônica Martelli, com Molico, e Thaila Ayala, com Purina One. Também ativamos influenciadores regionais de acordo com o período do ano e o foco da marca. Um exemplo foi a ação realizada pelas marcas Farinha Láctea Nestlé e Nestlé Moça para as festas de São João. Em um mesmo plano, podemos ter todas as categorias de influenciadores, celebridades, macros, micro, nano”, aponta o coordenador de marketing de influência da Nestlé, Felipe Francis Custódio.
A cada ano, os influenciadores ganham mais espaço na estratégia de comunicação da Nestlé. No universo de influenciadores digitais, existe um nicho que é de extrema relevância: nano e micro influenciadores. “Eles podem gerar conversas em nichos muito específicos e podem dar o aval como especialistas em alguns assuntos”, afirma Custódio. Há marcas da Nestlé que utilizam o influenciador como asset criativo principal nas peças de campanha e nos conteúdos de seus perfis nas redes sociais. No Grupo Campari, a visão sobre os creators também é positiva e traz novos caminhos descentralizados das agências de publicidade. “Mais creators exploram formatos criativos para as marcas entrarem nesse contexto. O criador de conteúdo usa a imagem e o alcance em linguagem que só ele desenvolve”, avalia o diretor de marketing do Grupo Campari, Vinicius Low.
Em outros casos, os influenciadores ganham protagonismo como o que aconteceu com influenciadores que conversam com a geração Z que participaram do clipe da música Let’s Rock the Break, gravada pelo cantor Jão para a campanha do Rock in Rio Brasil 2022 de KitKat. “Apostamos fortemente no poder dos influenciadores. Ao todo, foram mais de 400 nomes ativados durante o período do festival. Isso é inédito e prova que os influenciadores ganharam mais espaço nos nossos projetos”, diz o coordenador da Netstlé. Kitkat (estreante no festival) ficou em 3º lugar em mídia espontânea, de acordo com levantamento feito pela CDN.
Na mensuração de resultados, as oito agências que atendem a Nestlé com influenciadores acompanham diariamente os resultados das ações em andamento. “Quando temos campanhas com período de execução mais longo, as agências nos apresentam relatórios periódicos para que tenhamos a oportunidade de mudar rotas, se necessário, ou intensificar formatos que estão performando bem”, diz Custódio. Algumas marcas da Nestlé estão presentes no e-commerce. Nesse caso, a fabricante consegue acompanhar os resultados de vendas através de cupons disponibilizados para os influenciadores ou mesmo pelos links.
A Chandon também vê valor nos criadores de conteúdo, que contribuem diretamente para a construção da marca e da consolidação da nova identidade, lançada em 2020. “Os influenciadores participam legitimamente de projetos que apoiamos, como eventos de arte & cultura, gastronomia e ocasiões de celebração. Recentemente, participaram cocriando conteúdo para a websérie Chandon@Home, em que, a partir de suas histórias reais, se conectam com os valores da marca”, detalha o gerente de marketing da Chandon no Brasil, Adriano Ciavdar. A marca de espumantes seleciona criadores de conteúdos que representam pluralidade e diversidade, com conteúdo de qualidade, que são valores que se conectam com a marca e base de seguidores engajada. Na busca por retorno, mensalmente, a marca acompanha os resultados do plano de comunicação com as agências parceiras, através de ferramentas e do trackeamento contínuo, avaliando a performance com os principais KPIs: alcance de pessoas impactadas, engajamento nas redes sociais e mídia espontânea.
O Mercado Pago, agora banco digital, escolheu o descontraído repórter Márcio Canuto para ajudar a gerar awareness entre o consumidor. Para medir os resultados, a empresa usa links parametrizados durante a ação. Assim, se consegue fazer atribuição direta para saber de quem veio o download do app ou a compra feita dentro do site. “Consigo saber se o influenciador me trouxe usuário que já existia e está comprando mais vezes por conta dele ou se é novo usuário”, diz Fernanda, diretora de marketing da marca. Olha-se todos os pontos de contato do consumidor com determinada marca e atribui-se quanto do resultado vem de cada um dos pontos. O último ponto de contato acaba tendo peso maior no modelo de atribuição. “Mas o processo decisório não é nunca em cima de um único ponto”, afirma Fernanda.
Análise de sentimento também é um ponto pertinente a se observar. “Nesse caso, a inteligência artificial (IA) analisa se a postagem tende a ser positiva ou negativa”, aponta o professor de jornalismo digital da PUC-RS, Marcelo Fontoura. Esse é um aspecto qualitativo que pode ser extraído dos resultados de uma campanha: se neutro, positivo ou negativo. O Mercado Pago observa isso e vai além. Para saber se suas ações surtem efeito, encomenda ao Kantar pesquisa para ouvir consumidores com o intuito de saber se eles passaram a enxergá-lo como banco digital.
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