Economia da conexão

Marketing de influência alimenta ecossistema de empresas e ferramentas tecnológicas que avançam em direção à creators economy e aos pequenos negócios

Taís Farias Ribeiro

Crédito: Shutterstock/Thais Figueiredo
 

A cada ano, o marketing de influência ganha mais espaço na estratégia e no orçamento das empresas. A afirmação, que pode parecer fruto do senso comum, é comprovada por dados. Em março, o YouPix realizou a terceira edição da pesquisa ROI e Influência. Nela, foram ouvidas 94 empresas de diferentes segmentos e os dados foram analisados pela parceira AlgoritmCOM. Pela primeira vez, em três anos de pesquisa, todos os entrevistados assinalaram que o marketing de influência é importante e faz parte de suas estratégias. A Covid-19 colaborou com o cenário. Cerca de 83% dos entrevistados afirmaram que, com a pandemia, o trabalho dos influenciadores se tornou mais estratégico. O movimento também mobilizou cifras. Segundo a companhia, a quantidade de empresas investindo mais de R$ 5 milhões mais que dobrou, no período. Os investimentos na casa de R$ 300 mil a R$ 1,5 milhão já haviam crescido 68% de 2019 para 2020. A aceleração deve chegar até 71% em 2021. Esse aquecimento no mercado da influência não é uma exclusividade brasileira. Segundo projeções da Statista, em 2021, o mercado de marketing de influência movimentará globalmente US$ 13,8 bilhões. No ano anterior, esse número era de US$ 9,7 bilhões.

Se engana, no entanto, quem acredita que o potencial do marketing de influência de gerar dinheiro e movimentar negócios se resume apenas ao aumento dos investimentos dos anunciantes na estratégia. Essa é, sim, uma alavanca de crescimento. Mas a influência já conta com um ecossistema próprio de empresas e ferramentas dedicadas a alimentar a relação entre marcas, criadores e público. De acordo com o estudo Inside Martech Report, do Distrito, no Brasil, de 740 martechs, 25 trabalham exclusivamente com marketing de influência. Nos últimos anos, elas somaram US$ 279,9 mil em investimentos de venture capital. Globalmente, em 2020, os aportes em empresas de marketing de influência chegaram a US$ 1,1 bilhão. Quando cruzadas, essas informações mostram que o marketing de influência não está apenas crescendo, mas impulsionando todo um ecossistema de empresas.

DNA tecnológico

Apesar de serem fruto de diferentes histórias e momentos, há um denominador comum no surgimento dessas empresas que orbitam a influência – o senso de oportunidade e a necessidade de conectar marcas e influenciadores. Rodrigo Azevedo, fundador e CEO do Grupo Comunique-se, ao qual pertence a Influency.me, conta que a dor número um das empresas sempre foi como encontrar o influenciador certo. Raphael Pinho, cofundador e CEO da Spark, trabalhava na 9ine, finada empresa de marketing esportivo e entretenimento, quando percebeu que o interesse das empresas nas celebridades também se estendia aos nativos digitais. Ao mesmo tempo, as redes sociais ganhavam força. Naquele momento, as marcas já queriam trabalhar com os influenciadores, mas não sabiam como. Havia dificuldades em acessar, orçar, implementar e mensurar o então novo modelo de estratégia.

Boca Rosa extrapolou o universo do conteúdo e desenvolveu uma marca própria de beleza (Crédito: Divulgação)

“Foi uma ruptura no mercado”, afirma Pinho, sobre quando grandes marcas, que chegavam a ter 20 contratos com celebridades, passaram a experimentar o modelo e os grandes acordos foram dando espaço para campanhas pontuais. Com esse contexto, as empresas nasceram para a fazer a ponte entre marcas e influenciadores e diminuir as fricções nesse contato. Para isso, a tecnologia foi uma aliada e permitiu que o trabalho no marketing de influência ganhasse escala. Sobhan Daliry, CEO da Polen, conta que a empresa nasceu para ser uma intermediadora. Diferente das agências, o cliente é o influenciador. “Entendendo que o acesso a esse tipo de canal ainda é incipiente, buscamos ferramentas que permitissem essa escalada”, afirma.

Estágio de amadurecimento

Assim, estratégia e empresas evoluíram juntas. O trabalho com dados e tecnologia permitiu que o acesso a influenciadores ganhasse camadas de automação. Ao mesmo tempo, o avanço da mensuração mostrou aos anunciantes que o marketing de influência era uma alternativa rentável. Em paralelo, as empresas que trabalharam nesse processo, conectando as partes, evoluíram seu modelo de negócio. “Nossa vontade inicial era ser um negócio de software. Um software as a service”, afirma Azevedo, da Influency.me. No entanto, ele conta que, ao apresentar a ferramenta para as marcas, elas não tinham estrutura para operá-la. “O mercado pedia alguém especializado em ativar o marketing de influência”. Desde então, o grupo presta essa dupla função. São mais de 300 marcas assinantes da ferramenta de software e cerca de 30 clientes para os quais a Influency.me realiza toda a operação. Ao longo da pandemia, o executivo diz que a busca pelas assinaturas mais do que dobrou.

Rodrigo Azevedo (Comunique-se), Raphael Pinho (Spark) e Sobhan Daliry (Polen): crescimento comprovado e diversificação de atuação (Crédito: Divulgação)

Diversificar a atuação também foi o caminho para a Spark. A companhia se posiciona como uma power house. Além da Spark Lab, unidade responsável pela gestão de campanhas para marcas, o grupo conta com a Spark Afiliadas, presente em nove regiões. Nesse formato, a empresa firma parceria com grupos regionais e leva sua marca e tecnologia para desenvolver novos mercados. Outro braço de negócios é a Spark Tech, que reúne uma série de soluções tecnológicas para o marketing de influência que podem ser oferecidas para empresas e agências. Entre elas, estão a TalkAtive, que por meio de gamificação transforma colaboradores, parceiros e clientes em embaixadores de uma marca; a Tagger, plataforma data driven que permite internalizar ações de influência; e a Kloob.me, startup que gerencia assinaturas para conteúdos de influenciadores em suas redes.

A jornada da Youpix se confunde com o próprio crescimento do marketing de influência. A iniciativa que nasceu, em 2006, como revista impressa, ajudou a validar e formalizar uma cultura digital em ascensão. A cofundadora Bia Granja conta que, de 2013 a 2014, começou a perceber que alguns criadores de conteúdo estavam virando negócios. Foi o momento de mudar a atuação. Em 2014, pararam de realizar o Youpix Festival e passaram a se posicionar como consultoria de negócios para o mercado de marketing de influência. Hoje, a atuação da empresa está dividida no tripé de consultoria, para marcas como Unilever, Bradesco e Magalu; educação, com cursos para profissionais de marketing, criadores e empresas; e eventos, com o Youpix Summit.

Criada em julho, a Polen é uma emotion tech e quer desenvolver ferramentas digitais para impulsionar a capacidade dos talentos de emocionar o público. Uma dessas alternativas é o Video Polen. Com ele, é possível que o público solicite mensagens dos famosos para presentear pessoas por meio do pagamento de uma quantia. A estratégia da companhia passa pela conexão com talentos e, então, pelo acesso a essa cauda longa de influenciadores.

Desafios da profissionalização

Apesar do avanço, a profissionalização ainda é um desafio do setor. Com cada vez mais tecnologia embarcada e dados sobre os criadores de conteúdo, a inteligência para essa base de informações é a busca de agências e martechs. A partir de dados da Hootsuite e WeAreSocial, estima-se que mais de 4,2 bilhões de pessoas utilizem redes sociais no mundo. A ideia seria entender quantos destes podem ser caracterizados como influenciadores, quais as características de seu conteúdo, público e métricas. A Influency.me enxerga essa capacidade como um diferencial competitivo para o marketing de influência e investiu em um time de big data. “O primeiro desafio em tecnologia é separar o joio do trigo e manter esse dado atualizado”, afirma Azevedo. Os dados podem ajudar, inclusive a trazer mais segmentação e personalização. Ana Paula Passarelli, fundadora e COO da Brunch, conta que a agência de influência digital nasceu do entendimento de que a maior parte das empresas do segmento estabeleciam um modelo em que o talento era um “produto na prateleira”. “É uma maneira ultrapassada de entender o potencial criativo e de influência de um talento, e coloca o creator como a ponta mais fraca do trabalho”, adverte Passarelli.

Assim como o avanço em big data, outro tópico que está sob os olhos atentos do mercado de marketing de influência são as PMEs. Ainda que grandes corporações já tenham a estratégia como algo certo dentro do seu investimento em marketing e procurem parceiras do setor, a influência ainda pode ser inacessível para pequenos e médios negócios. Nesse sentido, à medida que companhias conseguem promover esse acesso, avançam sentido a uma nova fatia da economia e ampliam seu mercado consumidor. “Existe um mundo gigantesco de pessoas que estão fazendo de modo artesanal”, conta o CEO da Spark sobre as pequenas empresas que, com orçamento limitado, buscam os influenciadores individualmente e não contam com ferramentas de mensuração, por exemplo. A martech já acessa esse público ao trabalhar sua unidade de afiliadas. “Não é algo acessível. Dá muito trabalho ativar”, reforça o líder da Influency.me, sobre o marketing de influência. Ele conta que o criador de conteúdo pode ser um jovem que trabalha no próprio quarto e não consegue emitir nota fiscal. Nesse sentido, a tecnologia pode simplificar o trabalho ao automatizar processos burocráticos. A ambição da Influency.me é se tornar um one stop shop para o marketing de influência e já conta com produtos a partir de R$ 300, pensando em alcançar os pequenos negócios. O grupo também mira a profissionalização do mercado com o Prêmio Influency.me, que tem o objetivo de destacar as melhores práticas.

Match humano

Ainda que a automação seja, sem dúvidas, uma aliada poderosa nesse processo, os executivos alertam que há limites. A criatividade segue essencial para gerar resultados relevantes. “É importante lembrar que no marketing de influência é necessário um equilíbrio entre humano e algorítmico, a fim de evitar perdas ou eventuais métricas de vaidade que não entregam resultado final nem para o cliente e nem para o criador”, explica Bia Granja. A atenção a esse equilíbrio se faz ainda mais necessária em um ambiente político-social polarizado. Raphael Pinho defende que é preciso entender que os criadores são pessoas com visões, causas e propósitos. “Entender que ele é um ser vivo como uma narrativa de vida. Ter essa visão publicitária de match”, diz.

Azevedo acredita que a automação completa pode simplificar o processo, mas não leva necessariamente aos melhores resultados. Para ele, essa pode ser uma alternativa válida para empresas com um orçamento pequeno para o marketing de influência, por exemplo, ou para ações que envolvam um grande número de criadores. “Campanhas de alto impacto não funcionam no piloto automático”, resume.

Creators economy

Fayda Belo, Nath Finanças e Ale Santos se tornaram referências para público e marca sobre os temas crime de gênero, dinheiro e afrofuturismo (Crédito: Divulgação/Leo Aversa)

A creators economy, ou economia dos criadores, em tradução livre, é um dos conceitos mais presentes no discurso dos profissionais que trabalham com o marketing de influência. No entanto, a ideia ainda não ganhou definição clara no Brasil. Pode-se dizer que a economia dos criadores diz respeito à mudança cultural, na qual os influenciadores deixam de ser encarados como uma ferramenta de mídia e assumem seu papel como geradores e distribuidores de negócios. Apesar de já contar com exemplos práticos, como as criadoras Bianca Andrade, a Boca Rosa, e Camila Coutinho, que transcenderam o universo do conteúdo e alavancaram suas marcas de beleza, essa realidade está longe de atingir a maior parte do setor. O instituto Atlântico entrevistou mais de cinco mil criadores de conteúdo para entender como eles estão usando as plataformas e monetizando seu trabalho. O que os dados revelaram é que ganhar dinheiro ainda é um desafio para a média dos influenciadores. Entre os pesquisados, 23% não conseguem aplicar valor em seus canais, enquanto apenas 14% geram uma receita superior a R$ 2.500 por mês.

Para Sobhan Daliry, CEO da Polen, um dos fatores que vai ajudar a materializar a creators economy é o boom do varejo digital. Com a disparada, as vendas online deixaram de ser uma exclusividade das grandes empresas e se tornaram acessíveis para os pequenos negócios, com o avanço dos marketplaces. Nesse cenário, o papel do influenciador não somente para construção de marca, mas como responsável por mexer o ponteiro das vendas fica mais claro. “Cada talento é em si um canal de distribuição. Distribuir apenas mídia não é a forma mais inteligente”, explica o executivo.

A fundadora da Brunch, no entanto, enxerga divergências na maneira como conceito de creators economy vem sendo aplicado. “Temos um problema sistêmico no mercado de influência e sua confusão com o que é a creator economy.  Por isso, trabalhamos com dois modelos. No primeiro, o cliente é a marca que busca vozes para mediar mensagens sobre seus produtos. No segundo, o cliente é o creator e os serviços são direcionados para profissionalização do talento. É comum ter agências que atuam nas duas frentes, porém, quando o criador não é o cliente, ele é o produto. Isso resulta em um grande conflito de interesses”, reflete ela.

Essa movimentação é importante para as agências, consultorias e martechs porque cria alternativas de negócios que poderão atender às novas necessidades desse influenciador. “Essa economia engloba criadores de conteúdo (e influenciadores) e uma gama gigantesca de plataformas e ferramentas de monetização e gestão que os permita crescer e ter um negócio sustentável”, define Bia Granja. A cofundadora do Youpix cita empresas como a brasileira Divi.Hub, uma alternativa de crowdfounding em que os fãs podem apoiar os criadores de conteúdo e, em troca, compartilham uma porcentagem do projeto. Desde 2017, a YouPix roda o Creators Boost, programa de desenvolvimento de criadores na América Latina. Segundo a empresa, 75% dos participantes apresentam crescimento no conteúdo e fechamento de negócios após participarem da iniciativa.

Essa nova configuração de mercado passa pelas empresas entenderem que a construção de influência não está restrita aos criadores de conteúdo, especialmente, quando há uma crise de confiança envolvendo as instituições tradicionais. “No futuro, ou as marcas viram creators ou elas vão competir, em desvantagem, com creators que viraram marcas. A grande maioria dos conteúdos que as marcas produzem hoje não é relevante para as pessoas porque se parecem mais com propagandas baratas do que com conteúdo que engaja de verdade”, reflete Bia Granja. Quem vem dando sinais de que já sabe operar na nova economia são as marcas verticais digitalmente nativas, as DNVBs, que nascem e estabelecem sua comunicação com o público desde o início no ambiente digital. “O impacto que esses creators e influenciadores têm na economia e na cultura é real e palpável, o que faz com que essa Economia da Influência cresça ano após ano”, defende Granja.

Crédito da imagem no topo: Tostphoto/Shutterstock

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