“Criação não precisa passar pela chancela da publicidade”
Ana Paula Passarelli, COO da Brunch, analisa a inversão de chave ocorrida no mercado de criação digital a partir da pandemia
Ana Paula Passarelli, COO da Brunch, analisa a inversão de chave ocorrida no mercado de criação digital a partir da pandemia
Por Carolina Scorce
O Brasil é campeão mundial em número de influenciadores digitais, na categoria Instagram. São 10,5 milhões de pessoas com, pelo menos, um mil seguidores cada, em média, segundo pesquisa da Nielsen, que contabilizou postagens feitas entre novembro do ano passado e abril deste ano no Instagram, TikTok e YouTube. Mas, será que a blogueira ou blogueiro que foi para as redes vender estilo de vida está na mesma categoria de um personal trainer que, com a pandemia, se viu obrigado a criar conteúdo sobre como fazer exercício físico em casa? Ana Paula Passarelli, COO da Brunch, agência que cuida do negócio de criadores, influenciadores e marcas, analisa a inversão de chave ocorrida no mercado de criação digital a partir da pandemia.
Meio & Mensagem – Qual é a diferença fundamental entre creator economy e economia criativa?
Ana Paula Passarelli – A criação de conteúdo em todas as formas, seja texto, vídeo ou áudio, como forma de se comunicar, muda muito ao longo do tempo. Há uns dez anos, uma pessoa que se profissionalizava em criação de conteúdo jamais pensaria que precisaria entender sobre dinâmicas Excel ou de novos modelos de roteiro. São muitas as maneiras de materializar a criatividade. Quando se produz um texto ou infográfico, se produz pensando na experiência do usuário, como ele vai ler aquilo. No digital, essa dinâmica é diferente porque as especialidades são diferentes. Por isso, economia criativa e creator economy são coisas diferentes. Uma depende da criatividade como modelo de negócio. A outra depende de ter, na atividade digital, aplicada a criatividade para termos modelo de negócio.
M&M – Na pandemia, só havia o digital. Qual foi o impacto da Covid-19 neste setor e o que mudou a partir disso?
Ana Paula – Em 2020, o primeiro relatório que fizemos foi diferente dos outros porque queríamos mapear qual era o reflexo da pandemia nesse setor. Aí, começamos a identificar que existia uma figura rondando esse lugar da explosão que foi o marketing de influência porque o dinheiro que estava no off-line foi todo para o marketing digital. O volume de influenciadores e agências que surgiram vieram daí. Foi um momento em que as fórmulas prontas começaram a sofrer desgaste. Ou seja, os usuários sentiram que os conteúdos eram muito parecidos entre si. Em 2020, nomeou-se o genuinfluencer, que é um influenciador genuíno. Pessoas que não têm vidas perfeitas e toda recortada em fotos nos seus melhores ângulos. Mas pessoas autênticas. Esse perfil foi bastante lembrado em 2020. Naquele período em que acontecia a discussão se devíamos ficar em casa, com pessoas falando ‘dane-se a pandemia’, era um desejo das pessoas de ter e sofrer influência que fossem mais genuínas. E então surge esse nome. No ano passado, como reflexo tardio da pandemia, surgiu outra figura, que nomeamos giginfluencer, que é o influenciador que está fazendo um bico. Ele não é profissional, não trabalha com isso. Às vezes, era um vendedor de loja, perdeu seu emprego, mas tinha três mil seguidores no Instagram e se cadastrou em plataforma de influenciador e começou a fazer trabalhos para as marcas. Como se estivéssemos falando da Uber de influenciadores. É trabalho precário.
M&M – A pesquisa Creators e Negócios, da Brunch com a YouPix, mostra que há indicativos de que esse mercado deseja se profissionalizar. Como isso ocorre?
Ana Paula – Esse giginfluencer, antes de ser influenciador como bico, era um profissional. Ele pode ser um engenheiro, mas foi para internet porque a empresa dele fechou. Tinha didática, começou a falar de engenharia e chamou a atenção das pessoas, foi a eventos e por aí vai. Durante esse ano, começamos a identificar e a nomear esse influenciador que virou um infocreator, que parte da sua especialidade para criar conteúdo e desenvolver o seu negócio em torno de si. O conteúdo que cria não serve só para inspirar outras pessoas, é um conteúdo de marketing que usa para divulgar seus outros produtos porque tem consultoria, cursos, e-books, mentoria. Pode ser um diretor criativo de uma empresa, conselheiro de outra. Tratamos o surgimento dessa figura como alguém que entende que o seu conhecimento é o centro do negócio. A categoria influencer serve à publicidade, servindo na construção de um lifestyle ou no trabalho com marcas num modelo de ser bem-sucedido com aquilo. Os criadores estão entendendo que são o centro do negócio e que fazer publicidade é parte do modelo de negócio, mas não é a única coisa. Isso vem com a capacidade do brasileiro de empreender em situações bastante adversas. O giginfluencer surge como forma de ganhar renda extra e, com isso, ocorre a virada de chave entre o que é um influenciador e um creator.
M&M – O creator é um produtor de conteúdo que é a sua própria marca?
Ana Paula – Desde que começamos a fazer esse mapeamento em 2019, sentimos melhora no mercado. Isso vai desde sinalizar conteúdo publicitário como publicidade até ter empresa, equipes que trabalham com isso, contratar agências. Agora é sobre a multiplicidade de formas de ganhar receita. O modelo de sucesso não é mais fazer publicidade. O modelo de negócios passa pela publicidade e ainda é uma parte grande, entre 60%, mas não é o único. Tem o caso da Camila Coutinho, por exemplo, que lançou produtos físicos que carregavam a marca que ela construiu na internet. A Camila era blogueira.
M&M – A pesquisa aponta que as mulheres são a maioria entre os creators e, mesmo assim, monetizam menos do que os homens.
Ana Paula – Não seria diferente. Quando olhamos para o empreendedorismo no Brasil, são as que menos recebem fundos de investimento. Quando vamos para profissões regulares, empregos CLT, as mulheres recebem menos. Na creator economy não é diferente do que o que acontece no Brasil, de modo geral. É importante mapear para entender o que podemos fazer a partir disso. Na pesquisa do ano passado, apareceu que pessoas negras ganham 25% menos do que pessoas brancas. São problemas estruturais que as empresas precisam combater.
M&M – O TikTok cresce como plataforma preferencial dos creatos.Por ser plataforma de entretenimento solitário, esse crescimento precisa ser acompanhado com cuidado. Por quê?
Ana Paula – Já entendemos que estamos consumindo mais vídeos curtos. Aliás, consumindo fragmentos. Agora, porque estamos consumindo mais vídeos curtos e qual consequência isso gera no nosso cognitivo, não sabemos. A internet tem volume enorme de coisas e queremos consumir tudo, mas não dá. Então, consumimos um pedacinho de cada. As pessoas acham que viram um vídeo, um podcast, mas não viram, não ouviram, elas veem uma parte do vídeo, ouvem um teaser do podcast. E entramos num looping de desmemorização. É quando começamos a chamar de “sabe aquela menina lá do TikTok?”. Ninguém sabe direito o que é, quem é, o que a pessoa disse. Não passamos mais de uma hora vendo uma aula, com começo, desenvolvimento e conclusão. Queremos só a conclusão. Uma pitadinha dos argumentos porque isso já vai ajudar a gente a se enturmar. O ponto é: quais são as consequências disso? Podemos ver um vídeo dez vezes com alguém e não sabemos o nome da pessoa porque não é sobre o creator. O TikTok sempre deixou isso muito claro. Não é uma rede social. Uma pessoa pode optar por ver o resumo de cinco minutos em vídeo de um livro que adoraria ler, mas não tem tempo. Estamos mudando nossa perspectiva de consumo, mas isso tem consequências. Dá para armazenar toda essa informação? Isso é o que gera esses esquecimentos. Esse modelo de consumo fragmentado faz com que todo esse conteúdo vá por água abaixo ou não seja nem notado. Temos questões sem respostas porque precisamos trazer outras disciplinas para esse assunto: o quando essa desumanização parte de um processo que é transitório ou o caminho é esse mesmo, ou, ainda, não estamos enxergando essa desumanização e quando percebermos não vamos mais conseguir voltar atrás.
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